Série 'Até quando?': 'Desistir não é opção', diz farmacêutica que sobreviveu a 25 facadas do ex

  • 14/03/2025
(Foto: Reprodução)
Segundo Daiane, de 30 anos, agressões começaram quando ela disse que queria terminar o relacionamento. Atitudes do parceiro passaram a despertar gatilhos de ansiedade nela: 'Percebi que ele estava sendo tóxico'. Mesmo com medida protegida, ele a atacou à luz do dia. Até quando? Sobrevivente de tentativa de feminicídio diz que lutou para viver “Eu tenho, agora, certeza da minha fortaleza.” A frase é da farmacêutica Daiane da Silva Santos, de 30 anos, que se recupera de uma tentativa de feminicídio. A moça faz parte de uma alarmante estatística: em 2024, 382 mulheres sobreviveram aos ataques sofridos no Estado do Rio de Janeiro, conforme apontam os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP-RJ) Daiane levou 25 facadas do ex-companheiro em outubro, contra quem tinha uma medida protetiva em vigor. Ela teve alta médica 5 dias depois. Vanderson Lima Soares foi preso na noite do mesmo dia do crime. ➡️Esse é um dos assuntos abordados na série especial do g1 "Até quando?". As reportagens contam histórias de vítimas, o luto de suas famílias e os desdobramentos que as suas mortes ocasionam, como os órfãos do feminicídio. Durante 7 anos, Daiane e Vanderson se relacionaram e viveram juntos. Ela conta que não consegue identificar quando o ciclo da violência começou, mas diz se lembrar do momento que passou a ter medo das reações agressivas do então companheiro, com quem morava na Zona Norte do Rio. “Eu acho que começou a partir do momento que eu disse que não queria mais estar com ele. Eu não consigo perceber um ciclo onde vai crescendo. Eu consigo perceber um ciclo onde ele decidiu que eu não ia sair dali, que ele não ia deixar eu sair dali de qualquer forma, que eu ia ter que ficar feliz, doente, triste, de qualquer forma”, relata Daiane. “Foi uma relação bem conturbada. No início era muito tranquilo, mas com o passar dos anos começou a se tornar perturbada, de idas e vindas. Eu sempre tentando sair de casa, e ele me fazendo voltar com aquela história de ‘eu vou mudar, me perdoa, vai ser diferente’”, conta Daiane. Série 'Até quando': Saiba identificar os tipos de violência doméstica, o que prevê a lei e como buscar ajuda RJ teve quase 9 feminicídios e 32 tentativas por mês em 2024 ‘Você não vai viver longe de mim’, disse ex antes de matar a mulher na frente dos filhos de 2 e 5 anos Gatilhos de ansiedade Para ela, o primeiro alerta veio quando as atitudes do parceiro passaram a despertar gatilhos de ansiedade. “Eu comecei a não conseguir dormir, comecei a ficar com medo. Ele ameaçava tirar a própria vida quando eu dizia que queria separar, dizia que ia se jogar da janela ou então pegava a faca para tentar enfiar nele e se mutilava, batia com a cabeça na parede, quebrava as coisas dentro de casa. Isso começou a me alarmar, eu percebi que ele estava sendo tóxico”, afirma. Ela conta que Vanderson sabia que tinha depressão e ansiedade. E mesmo quando ela tentava ajudá-lo, ele acabava abandonando o tratamento. Depois de atacá-la, ele foi encontrado em uma clínica psiquiátrica na Zona Sul, a mais de 30 quilômetros de distância do local do crime. Daiane Santos Silva A major Bianca Neves, coordenadora do Programa Patrulha Maria da Penha da Polícia Militar do Rio, explica que problemas psiquiátricos não tratados podem influenciar na progressão do comportamento agressivo. “O uso ou não uso de medicação pode influenciar e potencializar a violência. São fatores de risco gravíssimos porque alteram o comportamento e as atitudes dos autores”, explica a major. “O comportamento violento comigo foi muito recente. Se eu quisesse sair de casa, ele me puxava, me segurava, me jogava no sofá, esse tipo de agressividade, até vir o último ataque”, relembra Daiane. Medida protetiva não a protegeu Ela decidiu pedir uma medida protetiva algumas semanas antes de ser atacada. O estopim para a ajuda foi uma briga com agressão — Vanderson ministrou um remédio para que ela se acalmasse, mas ela acabou dopada, já que a dose foi exagerada. Nesse mesmo dia, o homem esvaziou contas dela para pagar algumas dívidas, mas as despesas não foram pagas nem o dinheiro devolvido. “Segundo ele, a medicação era para me acalmar, então, quando eu acordei, eu estava muito assustada. Não esperava que aquilo fosse ser necessário ser feito, eu ainda acreditava que ele tinha feito sem querer na minha cabeça. Eu não acreditava, achei que ele tinha errado a dose sem querer. Conversando com meus pais, eles clarearam minha mente e abriram meus olhos”, conta a vítima. Farmacêutica Daiane Santos Silva Reprodução/g1 “Eu tive apoio dos meus pais, conversei com eles, meu pai me apoiou a fazer o pedido da medida. E só fiz porque eu não tinha mais o que fazer. Se eu não fizesse, poderia vir escalonar num grau muito alto e eu não ter nem onde recorrer”, relembra. Crime à luz do dia Ela obteve a medida protetiva. Mas Vanderson a ignorou. “A primeira coisa que eu pedi para o médico foi para não me deixar morrer”. Câmeras de segurança flagraram o momento que Vanderson ataca Daiane, à luz do dia, em Nova Iguaçu. Ela estava no trajeto para o trabalho quando ele a abordou de moto, iniciando uma conversa. Poucos minutos depois, ele partiu para cima dela. Enquanto era atacada com dezenas de facadas, a moça tentou se defender e entrou em luta corporal com o ex. “Eu tinha um pensamento fixo em mim de que eu não ia morrer, de que aquilo não estava acontecendo. Dentro do carro do vizinho que me socorreu, eu não tinha noção dos ferimentos que eu tinha, só o do braço que eu conseguia ver”, diz a farmacêutica. “Mas quando eu cheguei ao hospital, a primeira coisa que eu pedi para o médico foi para não me deixar morrer. Eu precisava voltar para casa e pedia incessantemente para eles ligarem para o meu pai”, conta. Para não agravar a situação, Daiane conta que tentou respirar calmamente e não entrar em desespero. A ficha caiu quando ela chegou na emergência. Segundo a farmacêutica, ela não imaginava que o ex-companheiro seria capaz dessa violência, mesmo ele tendo sido agressivo antes. “Você acredita que aquela pessoa te ama, que vai fazer de tudo para você ficar bem. Você não espera acontecer algo ruim dessa magnitude, porque ele se mostrava preocupado comigo. Você acha que a pessoa está preocupada com seu bem-estar, então, acredita que ela nunca vai fazer algo desse tipo com você. Até que a realidade vem até a gente”, destaca Daiane. Daiane Santos Silva Arquivo pessoal Recuperação física e emocional “Fortaleza” é a palavra que Daiane encontrou para se definir durante esse processo. Desde a recuperação, que impressionou os médicos, até a resiliência no tratamento e fé na reabilitação, seja física ou psicológica. Parte dos movimentos do braço esquerdo ainda está limitada. A esperança é que a fisioterapia ajude na mobilidade. “Com tudo que aconteceu, ficar somente com os movimentos do braço limitados é um milagre. Eu lutei até agora não foi para poder parar no meio do caminho, eu vou continuar lutando, continuar fazendo o que eu tiver que fazer”, afirma Daiane. “Eu tenho agora uma certeza da minha fortaleza. Hoje eu me sinto muito mais fortalecida e muito mais feliz também. Apesar de tudo que aconteceu, eu ter ficado com bastante marcas, eu olho no espelho e não consigo sentir pena de mim, não consigo sentir vergonha, não consigo sentir nada desse tipo, nenhum sentimento negativo. Só consigo sentir realmente felicidade por ter superado a situação”. Rede de apoio é fundamental Daiane acredita que conversar com outras pessoas sobre o que está passando na rotina do casal é fundamental para identificar comportamentos violentos, antes que seja tarde ou que algo de grave aconteça. “Se atentem sempre aos sinais. Procure grupos de conversas, até nas redes sociais, nos batalhões, ali você vai ter esse acolhimento com pessoas que já passaram por aquilo, pessoas que estão passando, pessoas que não sabem que estão passando”, aconselha. Daiane Santos Silva “É bom você saber onde está pisando, para não acontecer o que aconteceu comigo”, destaca a farmacêutica. A psicóloga Caroline Aranha, do Programa Empoderadas, explica que ter uma rede de apoio é um dos facilitadores para as vítimas encararem seus traumas e superarem as situações de violência vividas. “Quando uma mulher sofre violência, é muito comum que as pessoas a abandonem. A família e amigos acabam abandonando, achando que a pessoa está ali porque quer. Ter uma amiga que sabe, mas não abandona, é fundamental”, explica Aranha. O importante é mostrar para a vítima que você está disposto a ajudá-la quando ela estiver pronta para pedir socorro. A autoestima fortalecida também é um fator que ajuda na recuperação das vítimas, segundo a psicológica. “Às vezes, a gente vai querer desistir. Você fica com medo de voltar para a mesma situação. Desistir não é uma opção, desistir jamais será uma opção. A gente precisa ter essa certeza dentro da gente de que ganhamos uma vida, a vida é nossa, foi dada de presente. Vamos cuidar dela, tá? Por mais que tenha aquele período que a gente não consiga cuidar direito, sempre vai haver uma segunda chance, então desistir não é opção, é tentar até o final”, fala a sobrevivente. Onde pedir ajuda em caso de violência doméstica 190 - para acionar a Polícia Militar em casos de emergência 180 - para acionar a Rede de Atendimento à Mulher em situação de violência 100 - para denúncias de violação de Direitos Humanos Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam): para registrar boletins de ocorrência, solicitar medidas protetivas e pedir exames de corpo delito WhatsApp do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: (61) 99656- 5008 Unidades do Ministério Público para se informar e pedir ajuda na solicitação de medidas protetivas

FONTE: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/03/14/serie-ate-quando-desistir-nao-e-opcao-diz-farmaceutica-que-sobreviveu-a-25-facadas-do-ex.ghtml


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